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Não é de hoje que os administradores de cooperativas sentem algum desconforto em diversificar na sua gestão, de tal forma que recentemente fui indagado acerca da possibilidade das cooperativas de crédito participarem do capital social de sociedades anônimas?
Ora, a questão parece de uma simplicidade impar pois, negar esta possibilidade seria o mesmo que impedir que as cooperativas adquirissem ações de companhias na bolsa de valores, mas como nada é tão simples, vale a pena o aprofundamento no estudo deste assunto até porque se trata de uma atividade regulada.
Introito
Na elaboração deste trabalho serão seguidos os seguintes conceitos, preceitos e premissas:
1. Trata-se de cooperativa de crédito enquanto sociedade de pessoas, sem fins lucrativos, sem receita própria, regulada por lei especial e que se destina unicamente à prestação direta de serviços aos associados. Em cujo âmbito o cooperado é ao mesmo tempo seu dono e usuário.
2. Posteriormente traremos por analogia questão atinente às Cooperativas Centrais de Crédito – CCC’s.
Fundamentos
3. Em resposta a indagação acima transcrita faz-se as seguintes considerações:
4. O Código Civil regula de forma genérica a sociedade cooperativa de seu artigo 1.093 ao 1.096, ressalvando a aplicação da legislação especial.
5. A legislação especial, referida no CC, é a lei 5.764/71 que, dentre outras coisas, estabelece a política nacional de cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas. A mencionada lei em seu artigo 92, delega ao BCB a atribuição de fiscalizar e o controlar das sociedades cooperativas de crédito.
“CAPÍTULO XIII
Da Fiscalização e Controle
Art. 92. A fiscalização e o controle das sociedades cooperativas, nos termos desta lei e dispositivos legais específicos, serão exercidos, de acordo com o objeto de funcionamento, da seguinte forma:
I – as de crédito e as seções de crédito das agrícolas mistas pelo Banco Central do Brasil;
II – as de habitação pelo Banco Nacional de Habitação;
III – as demais pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
§ 1º Mediante autorização do Conselho Nacional de Cooperativismo, os órgãos controladores federais, poderão solicitar, quando julgarem necessário, a colaboração de outros órgãos administrativos, na execução das atribuições previstas neste artigo.
§ 2º As sociedades cooperativas permitirão quaisquer verificações determinadas pelos respectivos órgãos de controle, prestando os esclarecimentos que lhes forem solicitados, além de serem obrigadas a remeter-lhes anualmente a relação dos associados admitidos, demitidos, eliminados e excluídos no período, cópias de atas, de balanços e dos relatórios do exercício social e parecer do Conselho Fiscal.” (Grifou-se.)
6. Como se não bastasse a lei Complementar 130/09 fixou as atribuições das cooperativas de crédito e reiterou que estas devem respeitar as normas do Sistema Financeiro Nacional – SFN e as regras editadas pelo BCB, ao dispor:
“Art. 1º As instituições financeiras constituídas sob a forma de cooperativas de crédito submetem-se a esta lei Complementar, bem como à legislação do Sistema Financeiro Nacional – SFN e das sociedades cooperativas.
§ 1º As competências legais do Conselho Monetário Nacional – CMN e do Banco Central do Brasil em relação às instituições financeiras aplicam-se às cooperativas de crédito.
§ 2º É vedada a constituição de cooperativa mista com seção de crédito.
Art. 2º As cooperativas de crédito destinam-se, precipuamente, a prover, por meio da mutualidade, a prestação de serviços financeiros a seus associados, sendo-lhes assegurado o acesso aos instrumentos do mercado financeiro.”
7. A lei Complementar 130/09, no § 8º, do artigo 2, (redação dada pela lei Complementar 161/18) é transparente quanto a possibilidade de participação de cooperativas em outras sociedades ao estabelecer:
“§ 8º Além das hipóteses ressalvadas no § 1º deste artigo, as instituições referidas nesta Lei e os bancos por elas controlados, direta ou indiretamente, ficam autorizados a realizar a gestão das disponibilidades financeiras do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo.”
8. A lei Complementar 130/09 outorga ao CMN poderes para regular a participação das cooperativas em outras entidades1, literis.
“Art. 12. O CMN, no exercício das competências que lhe são atribuídas pela legislação que rege o SFN, poderá dispor, inclusive, sobre as seguintes matérias:(…)
VII – condições de participação societária em outras entidades, inclusive de natureza não cooperativa, com vistas ao atendimento de propósitos complementares, no interesse do quadro social; (…)”
9. Ademais o próprio Banco Central do Brasil, pela resolução 4.434/15 permite não só que as cooperativas de crédito apliquem recursos no mercado financeiro, como também autoriza as cooperativas de crédito singular, clássica e de crédito de capital a adquirir ações desde que estas sejam registradas no ativo permanente, in verbis.
“Art. 17. A cooperativa de crédito pode realizar as seguintes operações e atividades, além de outras estabelecidas na regulamentação em vigor: (…)
V – aplicar recursos no mercado financeiro, inclusive em depósitos à vista e depósitos interfinanceiros, observadas as restrições legais e regulamentares específicas de cada aplicação; (…)
“Art. 18. Às cooperativas de crédito enquadradas nas categorias previstas nos incisos II e III do art. 15 é vedada a prática de:
I – operações nas quais assumam exposição vendida ou comprada em ouro, em moeda estrangeira, em operações sujeitas à variação cambial, à variação no preço de mercadorias (commodities), à variação no preço de ações, ou em instrumentos financeiros derivativos, ressalvado o investimento em ações registrado no ativo permanente; (…)” (Grifou-se.)
10. Assim resta evidente a possibilidade das cooperativas de crédito adquirirem ações no mercado financeiro e participações em sociedades anônimas.
11. Tal possibilidade fica ainda mais evidente quando se identifica que o Plano Contábil das Instituições Financeiras – Cosif determina a obrigatoriedade de diversas entidades, dentre estas as cooperativas de crédito, seguirem não só suas normas e procedimentos, mas também a padronização de suas demonstrações financeiras2.
12. Dentre as regras da Cosif consta orientação para que as cooperativas de crédito registrem como ativo permanente os investimentos em sociedades coligadas e controladas, no país e no exterior3 destinando a rubrica “2.1.2.10.00-6”, sob o título “PARTICIPACOES EM COLIGADAS E CONTROLADAS”, a função de registrar as participações de caráter permanente no capital social de sociedades coligadas e controladas nacionais, observada a segregação, nos adequados subtítulos, do valor de equivalência patrimonial ou do custo, conforme o caso, e do ágio, de acordo com seu fundamento4.
13. Não se pode deixar de atentar também para o previsto no § 1º, do artigo 28, da lei 5.764/71 quanto a faculdade que é concedida às cooperativas de constituir fundos com objetivos específicos mediante assembleia geral, in verbis.
“Art. 28. As cooperativas são obrigadas a constituir:
I – Fundo de Reserva (…)
II – Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social, (…)
§ 1° Além dos previstos neste artigo, a Assembléia Geral poderá criar outros fundos, inclusive rotativos, com recursos destinados a fins específicos fixando o modo de formação, aplicação e liquidação. (…)” (Grifou-se.)
14. A possibilidade de constituição de fundos com fins específicos previsto no § 1º, do artigo 28, da lei 5.764/71 foi regulamentado pela Carta Circular 3.274/07, que determina:
“… I – os recursos devem ser destinados a fins específicos, que forneçam elementos para sua perfeita caracterização, a exemplo dos seguintes: construção de um edifício, aquisição de máquinas ou veículos e cobertura de quebras de caixa;
II – os recursos não podem ter a mesma destinação do Fundo de Reserva, de constituição obrigatória;
III – a assembléia geral deve definir claramente o modo de formação, aplicação e liquidação dos fundos não obrigatórios, não podendo tal definição ser delegada a outros órgãos estatutários.”
15. Inobstante ao acima trazido importante lembrar que é permitido às Cooperativas Centrais de Crédito5 a constituição de bancos cooperativos6, para fins comerciais ou múltiplos, desde que os mantenha sob seu controle acionário7, como estatuído pela lei 4.595/64 e regulamentação do Conselho Monetário Nacional.
Conclusão
16. Isto tudo posto não se pode chegar a outra conclusão senão a de que as cooperativas de crédito, dependendo do que conste em seu estatuto social podem participar do capital de sociedades anônimas, contudo visando a segurança dos personagens envolvidos é recomendável que a Assembleia Geral delibere pela:
a) aquisição das ações da investida;
b) constitua um fundo para este fim, e;
c) providencie o adequado registro contábil das ações de sua titularidade.
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1 Inobstante a isto fixa a lei nº 4.595/64: ” Art. 55. Ficam transferidas ao Banco Central da República do Brasil as atribuições cometidas por lei ao Ministério da Agricultura, no que concerne à autorização de funcionamento e fiscalização de cooperativas de crédito de qualquer tipo, bem assim da seção de crédito das cooperativas que a tenham.”
2 Vide, artigo 7º, da resolução 2.122/94, artigo 8º, da resolução 2.828/01, inciso II, do; artigo 8, da resolução 3.657/08, Circular nº 1273/87, Circular nº 3.819/16; artigo 24, da Circular nº 2.381 e Resolução 3426/06.
3 Ex vi, Circular nº 1.273/87 e Resolução nº 3.619/99.
4 Conforme Carta-Circular 3.902/18
5 Cujo o CNAE é o de nº 64.24-7/02.
6 Com o CNAE nº 64.24-7/01.
7 A resolução 2.788/00, estabelece que se caracteriza controle acionário do banco nos seguintes termos: ” Parágrafo 1º As cooperativas centrais de crédito integrantes do grupo controlador devem deter, no mínimo, 51% (cinquenta e um por cento) das ações com direito a voto das instituições financeiras de que trata esta Resolução.”